16 de outubro de 2004

MOMENTO GLORIOSO

Depois da morte não se é mais nada. Retornamos ao pó que nos foi a gênese. Viramos um deposito de larvas e bichos no fundo de sete palmos de terra. Mas os homens precisam reconhecer que morrer dignamente é o mesmo que viver com honras de um herói nacional.Assim sendo, Severino morreu. Sua vida era totalmente desengraçada. Nunca foi referencia para ninguém, amor para ninguém, importante para ninguém. Uma pessoa que foi apenas coadjuvante de sua própria vida. Passivo de sua história de vida. Severino não conhecia sua própria mãe. Tinha como figura materna uma freira que o criara no orfanato. Saiu de lá para tentar trabalhar, mas não tinha a mínima vontade de possuir um ofício, por mais que lhe fosse vital. Trabalhou, forçosamente de servente de pedreiro durante muito tempo. Profissão digníssima, diga-se de passagem, mas ele a praticava com tanta incredulidade que mal conseguia se manter em um emprego.O amor também não existia para ele. Conheceu o pecado num prostíbulo, donde foi expulso pois não pagava suas súcias. Vivia a deus-dará.Até que um dia viajou, por conta de um amigo, para tratar de uma úlcera perfurada. E nesse tratamento morreu. No necrotério, o corpo de Severino foi confundido com um figurão, um grande homem muito rico e influente. E o corpo do verdadeiro “grande homem” foi embarcado para a cidade de Severino. O enterro sucedeu com todas as pompas e circunstâncias. Houve parada militar, desfiles com a cavalaria, a presença do Presidente da República e muitas, várias, inúmeras viúvas para lhe chorar. Um enterro luxuoso, como nunca sonhara o pobre Severino, que teve uma vida desengraçada, mas pelo menos no momento de seu enterro se tornou importante. Ao menos uma vez na vida.
PAULO CÉSAR ALMEIDA