2 de outubro de 2007

DURMA COM ESSE BARULHO

Esse preto da pele
não é minha natureza
ou nobreza que me revele
com invisível beleza.


Meu colchão tão sólido
Foi feito para os sapatos
Mas é meu lombo bucólico
que adormece no último ato


As estrelas viram sol
Que nasce com orgulho
E trinca meu anti lençol
Durma com esse barulho


Dos carros e pessoas
Que se apressam ao trabalho
Com o alarido que ressoa
Nessa cabeça em retalhos


Nesse chão em que mergulho
Queria o silencio que me olhe
Mas eu durmo no barulho
Dessa rua que me acolhe


Tenho a mais larga das camas
Vejo as pombas em seu arrulho
Tomo banho nessa lama
Espezinhada por este barulho


Travesseiro, batente travesseiro.

29 de agosto de 2007

ELE EM TI

Queria te morder a maçã do rosto
Lograr da lágrima que queda
Do teu olho ao sentir meu gosto
quando meu branco em ti segreda

Queria te prender perpétua
nessa cama circunspecta
Te fazer flutuar em névoas
E em ti destilar meu néctar

E se a manhã ainda teimar
em dar cabo de nossa noite
quero o sol a te queimar
as marcas do apaixonado açoite

Noites insones corpo em cima
no teu jardim de sofismas
colher tua flor mais intima
para irrigar teus carismas

apenas me ame...

7 de agosto de 2007

EU PAPEL

Estou com um papel em branco diante de mim.

Um desafiador papel branco.

Um inocente e irônico papel em branco. Que ri de mim, pois não saber preenche-lo com as palavras que eu gostaria. Que se impõe como um carrasco terrível, a sombra da espreita, querendo me pegar as esquinas das vírgulas, nos assombros interrogativos, nos berros de terror exclamativos.

Um papel.

Estou com um sentimento no peito.

Um sentimento inadvertido.

Capaz de me encher as lacunas cavernosas desse coração atribulado. Que aquece minhas sibérias interiores. Aperta-me o peito e a garganta como se essas fossem de um desgraçado suicidando-se pendurado no chuveiro. Esse sentimento que encarnou em mim e alojou-se na minha pele, minha carne, meus nervos, meus ossos.

Um sentimento.

Um sentimento e um papel.

Desafio duplo. Entender o sentimento, revesti-lo de palavras joga-lo no papel. Será que palavras dão conta dos sentimentos? Será que os neologistas já criaram os termos necessários para satisfazerem nossos sofismas, ódios, rancores, misérias, riquezas, glórias, amores?

Uma língua de tão profunda riqueza como é a nossa língua mater, não possui as instâncias precisas para designar o que clamam o profundo coração.

Eis a batalha eterna. O desaguar absurdo, cremoso, vulcânico do amor contra a racionalidade verbal, conjugada das palavras.

Há momentos em que um puro e significativo “eu te amo” é tão pouco, tão curto, tão inconsciente que não consegue ser a tradução mais que perfeita de tudo o que se pode sentir.

Aqui eu desisto.

Fui vencido pelo papel. Incoerente, lúbrico, jazigo papel.

Não me importa agora buscar essas palavras que teimam em fugir.

Hei, onde vão vocês. Não me deixem nessa solidão muda...

1 de agosto de 2007

ROUPA NUA

Essa desmesura
da tua pintura
rutila teu olho
nesta suave moldura


Mas pretendo tua pele
Nessa fina brancura
Tocar bem de leve
E sentir tua textura


Quero teu olhar nu
Como é pura tua jura
De amar-me a alma e o corpo,
com a mesma doçura


Vista-se de ti mesma
Entrega-me com loucura
Teus sonhos, teu sexo
E cura minhas agruras


O que a vida já desatou
O destino agora costura
O sonho que posso olhar
Nesse olho agora sem pintura


Borrou-se no suor...


27 de julho de 2007

MINUTO DESTINO

Um minuto
Um mês em um minuto
O eterno diminuto
Toda vida vem em súbito

Um olhar
Um corpo em um olhar
O coração a latejar
Toda emoção vai retesar

Dois destinos
Unidos pelo breve desatino
Ouço badalar os sinos
Desse amor clandestino

Te quero amar
Por um sublime minuto
Nesse fogo de olhar
E possuir seu destino.

Sonho de menino.

12 de maio de 2007

SOMBRA LUMINOSA

Nessa sombra luminosa
Guardo o retrato teu
Fotografias mentirosas
Amargas num baú encadeado.

O louco ainda vive
Por que a sanidade já morreu
Cata moscas invisíveis
Aos olhos de um Galileu
Que tenta provar o redondiço do planeta

Em algum lugar assaz
Faço ainda letras pra te mostrar
Mas elas nunca sairão do meu diário
Nem sequer irão te incomodar.

Desse ventre onde morei
Jamais deveria ter saído
E tampouco entrado
Preferia meu lar escroto
Pronto a morrer na mão.

Tenho agora esse caminho herdado
Uma sina, um karma
Ou quiçá um desagrado
Devoro cada palmo desse chão
Vitima do teu consentido pecado.

AKILY

Você é minha doença
Meu carma, minha praga
Preferida
Meu lugar comum, minha ofensa
Meu catarro febril
Minha ferida

Sou soropositivo de você
Minha lepra, meu pânico
Doença desconhecida
Minha rima clichê
Meu fantasma diário
Cicatriz dolorida

Ainda morro de te querer
Câncer maligno implacável
Amor da minha vida
Vomito muco com sabor
Dos seus beijos proibidos
Sexo reprimido

Te odeio.
Mentira.

4 de janeiro de 2007

PARTO OPOSTO

Essa tua pouca roupa
Veste-me de embriaguez
Turva esse solo
Que eu tanto queria que ouvisses

Essa tua não roupa
Me envolve no conforto obsessivo
Por beber esse vinho aos sorvos
Degustando cada gota dessa pele mor.

Faço em ti o parto oposto
Insisto em lançar-me para dentro
Do seu mais profundo âmago
E nadar nesse rio ébrio.

Bebo essa seiva ora amarga
Agora doce
Faço do teu semblante meu reflexo
E logro do teu olho rútilo de prazer.

E eis que os sinos badalam...

Uníssonos...

Fiéis e efêmeros
Não minta, não minta.

Sei que queres agasalhar no teu ventre
Aquilo que tanto e tanto me ilimita
E te transcende aqui por dentro.