27 de setembro de 2006

O CARÁTER MAIS LÉXICO

Como já disse em outras ocasiões, vivemos no país do provisório eterno. Pode parecer até mesmo uma frase feita, mas traduz com fidelidade a realidade da cultura brasileira. Mas não quero falar sobre isso. O “provisório eterno” é tão flagrante nas calçadas, nos parques, no ônibus matutinos, nos vômitos dos bêbados, nas folhas dos jornais, que não é necessário nem enxergar o óbvio para percebê-lo.

Pois sim, venho falar da nossa democracia eterna e provisória. Ou o ensaio de democracia o qual fingimos viver. O brasileiro é refém da sua própria democracia, pois é compelido a comparecer à seção eleitoral para “exercer seu dever de cidadão”. Mas a questão que venho discorrer não é propriamente a obrigatoriedade do voto, com efeito. Pretendo discorrer sobre o que somos submetidos a escolher no momento do pleito. Cheguei onde pretendia: não há, em absoluto, opção para um sufrágio de qualidade. Nem se procurássemos com olhos de um Lince, acharíamos alguma alternativa.

Alguns objetarão: “conheço um camarada honesto, para o qual vou dedicar meu voto”. Esqueça. As laranjas podres e eternas das câmaras e senado estarão ali, prontos a corromper qualquer boa intenção e derrubar um suposto herói quixotesco que queira lutar contra os moinhos de vento dos mensalões e sangue-sugas. Nem São Francisco de Assis, com seus passarinhos nos ombros, conseguiria algum resultado miraculoso. O problema é o sistema criado pelos caciques que habitam o planalto central e ditam as leis.

Eis que surge a democracia, com sua teoria perfeita, doce e utópica. Ela nos garante o direito de escolha. Garante, portanto, o direito também da anti-escolha. A democracia, em tese, aceita a anti-democracia que se personaliza pelo voto nulo. Eis uma arma utilíssima contra os bandidos de gravata que governam o país e combater aqueles outros que anseiam o poder. O voto nulo é uma opção consciente, adulta, inteligente. É uma silenciosa arma de protesto, uma voz prestes a gritar pela liberdade do nosso povo.

Reporto-me à José Saramago e o seu brilhante “Ensaio sobre a Lucidez”, onde todo um país resolve votar em branco e ocorre então um semi caos, um efeito dominó onde a democracia se viu premiada, enquanto os políticos foram queimados em praça publica (dentro de uma metáfora). Pois não se assustem com isso. Se algum dia o ensaio sobre a lucidez tomar conta do nosso eleitorado, o Brasil será uma terra sem governantes, mas a Democracia se realizará em seu caráter mais léxico: Demo = povo, cracia = poder. O poder será tomado pelo povo, uma revolta partindo da própria sociedade ocorrerá e o nosso país se tornará mais aberto. Pode não ser a solução para tudo, porém será o inicio da remoralização do Brasil. O voto nulo é um direito, mas está se tornando um dever. Se o nosso governo é a indecência que é, auto-flagele-se, pois foi o nosso voto que contribuiu para isso.

25 de setembro de 2006

[COLCHETES]

letra maiúscula não quero pensar nas regras gramaticais elas foram feitas para os idiotas da objetividade afinal o que são palavras se não a materialização do intangível e ainda possuem a pretensão absurda de tentar encerrar um sentimento comparo um texto a uma vida acerca de suas virgulas interrogações exclamações começam com o maiúsculo da dor do parto e termina com a pusilanimidade do ponto final os sonhos as grandezas estão todas inseridas nessa oração a qual busca as reminiscências do destino há vidas que são frases curtas e insossas enquanto outras também são frases únicas porém como um slogan e brilham pelas luzes da ribalta num outdoor grotesco existem também destinos que são textos rosianos repletos de neologismos são vidas grandes em veredas e amores outrora vislumbramos biografias como se fosse uma peça rodriguiana e seus dramas conflitos e surpresas enfim existem vidas e vidas momentos agudos replicantes em crase com curvas de trema e existências que se encerram na eminência dos dois pontos elimino as discordâncias verbo-nominais aprendo com as figuras de linguagem amarro meus cavalos a um ponto e virgula onde paro para respirar e depois prossigo o caminho interrogante exclamante e não dispenso os parênteses que é quando durmo e quebro o pensamento uma frase é um momento de liberdade real sempre cerceada pela hipocrisia da pontuação não me faço entender apenas sinto reticências ponto final

20 de setembro de 2006

LÍNGUA FALO

Qualquer devaneio é pertinente na concretude dessa terra inóspita. A natureza morta dessas esquinas tem cores frias cinzas na escala mais neutra. Por que tu? Responda-me, por que tu e não vós? Confunde-me essa conjugação com verbos no pretérito imperfeito futuro do presente. Que eu faça, que eu ame, se tu me fosses, se eles me abandonassem. Eu não respondo por que não quero, por que não convêm, por que não sei. Não me ofenda, nem me acosse. Quando eu te toco, faço carinho em mim mesmo. Adoro sentir seus pelos finos e descoloridos do teu dorso branco se arrepiarem quando pressentem o calor dos meus calos. Divirjo desse seu tesão. Para mim é tudo automático piloto que segue pelas vielas escondidas, pelas esquinas da tua anatomia curva. Meu prazer é ver teus olhos lacrimejarem dolorosos ao me sentir no abandono. Sou mastro ensejo e fim. Aquele escuro som de águas jorrando de sua flor em pêlos é meu antídoto para as agruras desses maus dias. Mal ou mau. É só calcular bem ou bom. Maldita língua que me confunde. Prefiro usa-la para enxerir no seu âmago, explorar cada obturação, submergi-la em mares tépidos e sagrados. Apraz-me o cheiro prendo a respiração. Abro os olhos e vejo a mata silva. Falo a tua língua. Faço falo minha língua. Sei o que te entendo, devoro tua seiva, morro minha cabeça tosando o manso regaço. Salvo-me, amarro-te, ignoro-me a mim mesmo. Sou eu agora em ti, dois que se confundem num, regados pela prata luz da lua. Cada palavra que profiro a ti vem da língua que te açoita e te faz gozar como fêmea simples e absoluta. Ditadura desses falsos moralistas. Essas letras que se reunem, lembram nossa alcova. Uma palavra é um sexo grupal e seu sentido é um orgasmo de profundos léxicos e semânticos.

Cuspo no teu rosto. É a palavra que mal conjugo. Maldita língua que te açoita.

14 de setembro de 2006

SAUDADES DO QUE DESCONHEÇO

E depois de amar
Eu me viro para o lado
Todo teu céu ainda me reina
E o sonho está fragmentado

Platão o que diria
Dessa metafísica imaginária
A distância que faz penetrar
Nosso sexo binário.

E depois de amar
Vem a solidão da alcova
O silêncio que eu mereço
É o indicio da tua ausência

Saudades do que não conheço
Não diga o que eu não minto
Quero fazer da tua mão a minha
Percorrer cada rua e avenida
E prometer te amar sozinha

E depois de amar
Virá o beijo, afago de amor.
Nossos olhos virão se mirar
E eu descobrirei a tua cor

A solidão será a dois
O sonho é para agora
Mesmo que ele venha depois.

11 de setembro de 2006

Dessonho

Vivo um dessonho
A anti realidade
Não suporto a concretude
Descarno daquilo que não senti

Passa cartão
Hora de morrer
Para comer e de vomitar
Cruel dessonho.

Meus dias eu conto
Cada fim de uma semana
Na segunda me morro
Na sexta me ressurjo sujo

Ter tempo é ter sorte
Azar é ter sonho
É não haver possibilidade
Escapar desse dessonho

Se dormir é solução
Acordo zumbi
Olho vidro estático
Plano real infinito

Cadê aquilo que amo
Amor cadavérico
A realidade não é pra mim
Prefiro manter-me acético

Ambiciono tal dia
Despertar
Desse
Dessonho
E cair definitivo
No universo
Utópico ululante
Dessonho pesadelo.

Escapo poeta.

MOMENTO GLORIOSO

Depois da morte não se é mais nada. Retornamos ao pó que nos foi gênese. Viramos um deposito de larvas e bichos no fundo de sete palmos de terra.
Mas é preciso reconhecer que morrer dignamente é o mesmo que viver com honras de um herói nacional.
Assim sendo, Severino morreu. Sua vida era totalmente desengraçada. Nunca foi referência para ninguém, amor para ninguém, importante para ninguém. Uma pessoa que foi apenas coadjuvante de sua própria história. Passivo de sua vida.
Severino não conhecia sua própria mãe. Tinha como figura materna uma freira que o criara no orfanato. Saiu de lá para tentar trabalhar, mas não tinha a mínima vontade de possuir um ofício, por mais que lhe fosse vital. Trabalhou, forçosamente, de servente de pedreiro durante muito tempo. Profissão digníssima, diga-se de passagem, mas ele a praticava com tamanha incredulidade que mal conseguia se manter em um emprego.
O amor também não existia para ele. Conheceu o pecado num prostíbulo, donde foi expulso pois não pagava suas súcias. Vivia a deus-dará.
Até que um dia viajou, por conta de um amigo, para tratar de uma úlcera perfurada. E nesse tratamento morreu. No necrotério, o corpo de Severino foi confundido com o de um figurão, um grande homem, rico e influente. E o corpo do verdadeiro “grande homem” foi embarcado para a cidade de Severino. O enterro de Severino sucedeu com todas as pompas e circunstâncias. Houve parada militar, desfiles com a cavalaria, a presença do Presidente da República e muitas, várias, inúmeras viúvas para lhe chorar.
Um enterro luxuoso, como nunca sonhara o pobre Severino, que teve uma vida desengraçada, mas pelo menos no momento de seu enterro se tornou importante. Ao menos uma vez na vida.

9 de setembro de 2006

LÚCIA

Luz não só conduz
como elucida o luzir do anoitecer
de pele veludo
mãos adormecidas sob minha cabeça

Véu de doce azul no manto
tens a aura de um santo
sopro anil dos novos dias
nessa vida que se fez amar

És mãe, és mão,
sublime doce e tenra
desde priscos alicerces
envolocro de placenta

Quero ver-te para sempre
no teu sorriso gengivico
largo e belo
Como o doce e sincero
amor de mãe.

5 de setembro de 2006

Abscissas

A solidão é uma amiga inseparável
Companhia das frias noites
Presença nos domingos de sol

Sei que já fui amado e amei
Sinto que eu joguei tudo fora
E nada mais parece fazer sentido

Já fui o namorado perfeito
E o canalha amoral
Fui inocente e flor de obsessão.

Qual a fórmula matemática do amor
A equação de segundo grau
Dos corações X e Y
Abscissas e Paralelas relativas e congruentes.

O espelho é mentiroso
Quem está lá não sou eu
Com esse olhar jocoso
Funesto e decaído.

A solidão é tangível
Branca com estrelas das noites
Molhada como o mar de areia.

A solidão é só minha
Tenho ciúmes. Sou possessivo
A solidão é nossa.
Juntos e tão sós.

Lóbulos das Orelhas

Os cinzas das manhãs são irreais
Não tenho mais o penar de sair da alcova
Nesses frios trópicos.

Com a incerteza de te ver
Fico olho alerta
Nas cadeiras tenho a ti
ou em pé a balançar
Trajando seu singelo All Star

Cada sol de cada dia é menos intenso
Sem a alvura dessa pele, tudo fica sépia.
Não preciso mais morrer de dormir
Os olhos se abrem viçosos.

Que esse tépido banho de ilógico
Me avise a todo momento sobre
a sua liberdade, para que então,
com efeito, possa envolver-te com meus braços
e jazer meus olhos sobre os teus.

Espero também, mais e mais palavras
Que o vento venha beijar na minha orelha
Sublime e me suba o calafrio.

2 de setembro de 2006

MEDO DO AMANHÃ

É irônico pensar em músicas. Sobretudo fazer um histórico das musicas populares brasileiras. O gênero MPB há tempos não é mais popular. Nos dias de hoje quem admira esse gênero é considerado cult. A grande massa rechaça essas canções. As letras de Chico e Caetano tornaram-se ininteligíveis, de difícil acesso para as classes médias e baixas. Aliás, não há definição mais genérica e transgredida do que “classe média” no Brasil. Hoje qualquer vivente com TV e geladeira em casa já é “classe média”. Há dois tipos de classificação para essa divisão social. Existem as classes econômicas e intelectuais, as quais nem sempre são as mesmas para uma mesma pessoa. Há pessoas que estão no poder, mas são analfabetas funcionais e também há suburbanos leitores de Nietche e Marx. Isso é o efeito da tal globalização.


O assunto teima em me fugir e, às vezes, surgem as digressões. Perdoem-me, leitores. Mas voltando à vaca fria, não há nada mais anti-popular que a Música Popular Brasileira. Essa denominação surgiu na década de 60, durante os movimentos estudantis e os festivais de música. Perco-me na imaginação ao tentar prever como seriam hoje os Festivais. E, sinceramente, prefiro nem imaginar. Decerto, um Festival de música popular, na cepção da palavra, seria um baile funk com algumas pitadas de POP Rock. Uma lástima. Um dos candidatos fortíssimos seria a Tati Quebra Barraco, concorrendo contra algum grupo POP e suas canções insossas. O público vibraria quando tocassem “To ficando atoladinha”.


O fato que mais me deixa aturdido é o de pensar na história com ela sendo cíclica, e os fatos e situações se repetem de tempos em tempos. Isso leva ao raciocínio lógico que todos esses “sucessos” da atualidade, daqui a 30 anos, serão tidos como cult, assim como são hoje as músicas do Chico. Vejam bem, não faço aqui qualquer comparação com a qualidade da obra de ambos os artistas. Até gostaria de fazê-lo, pois me confortaria profundamente. No entanto, me assusta a idéia da elite intelectual do futuro se refestelar com a “obra” do DJ Serginho. Imaginem um café filosófico discutindo a poética dessas musicas, a melodia, a representatividade do funk da nossa geração. Me vem a cabeça um homem de cavanhaque, fumando um cubano e discutindo o sentido metafórico da “Lacraia” e sua dança afro descendente. Isso se esse intelectual existir, pois o intelectual no Brasil tem sido caçado como um bandido sujo, ele é o maior contraventor da nossa sociedade nesses tempos esdrúxulos.


O mais aterrador é conjeturar qual seria a Musica Popular desse futuro próximo. O que os jovens descerebrados estarão dançando baladas afora? Prefiro nem imaginar. Está claro que a nossa sociedade vem se degradando a cada ano. A cultura de massa vem se tornando um lixo lamentável. Somos reféns dessas corporações das comunicações que nos impõem modas e modismos. É melhor nem pensar nesse amanhã. O que podemos fazer é nos defender dessa armadilha que estão tramando para destruir a cultura da nossa sociedade através da aniquilação dos nossos cérebros.


Viva o MP3, os fones de ouvidos, a seletividade. Sem eles seria o fim de todo e qualquer tipo de bom gosto.


Ave Chico.