4 de setembro de 2005

COMO VENDER UMA CUECA AMARELA PARA UM HOMEM CASADO QUE MORA NO CENTRO DA CIDADE, DONO DE UM TELEFONE BEGE.

Homem é homem e fim de papo. Mas aquele era alguém. Seu casamento era como todos os demais: chato por natureza, rotineiro por excelência. Não havia o que lhe proporcionava maior felicidade, a não ser seu amigo intimo fiel, que não era seu cachorro nem algo parecido. Para os olhos externos, aquele homem tinha uma vida perfeita, a mulher perfeita, os filhos perfeitos, um emprego perfeito, morava numa casa e num lugar perfeito, ele próprio era o Senhor Perfeição e ainda possuía um telefone bege. Existiria alguém mais feliz?Até que um dia seu irmão lhe questionou: “Você conhece a cueca amarela?” O Senhor Perfeição não deu muita pelota para o que seu irmão caçula lhe indagava. Mas a pergunta se fez voz novamente, pelo mesmo irmão, e numa desafiadora afirmação: “Você não é feliz sem conhecer a cueca amarela.” Uma ponta de dúvida surgiu na cabeça daquele homem. Seria ele realmente feliz? Não era possível que um produto tão ínfimo e dispensável fosse tão cheio de possibilidades e de felicidades. O que era uma ponta de duvida se transformou em tormento e, num belo dia, ele argüiu ao seu irmão: “Mas o que faz essa cueca amarela?”. Cheio de malícia, o rapaz explicara que a cueca amarela energizaria os chacras e lhe daria mais potência para dar conta da noite-a-noite da sua alcova. Impressionado com o discurso pseudocientifico de seu irmão, aquele homem perfeito declarou: “Eu quero uma cueca amarela”. Sem pestanejar, seu irmão foi-lhe buscar o sonhado produto. Chegou ela, surrada, suja, com alguns furos, mas amarela como uma manga. O preço do produto foi sugerido pelo irmão e não questionado pelo homem perfeito. Adquiriu com a felicidade daqueles que compram uma cueca amarela.Hoje o Senhor Perfeição é um Senhor Perfeição dotado de uma cueca amarela. Sua vida permanece a mesma, exceto para ele próprio, pois a compra da cueca amarela lhe proporcionou um sentimento de renovação espiritual. Até seu amigo intimo fiel se tornou mais atuante e confiante. Enquanto o irmão conseguiu levantar a grana que precisava para comprar sua moto, uma moto amarela que o fez mais evidente aos olhos femininos. Homem é sempre homem.

15 de junho de 2005

FRAGMENTOS "Padre Doutor fala à comunidade"

_Irmãos e irmãs, hoje estamos reunidos nessa celebração em nome de Nossa Senhora da Glória, para demonstrarmos todo o nosso amor e devoção não apenas à nossa padroeira, mas também para com toda nossa cidade, nossa cultura, nossa terra. Essa festa possui uma significância retumbante em nossa comunidade. É aqui, nesse momento, que nós demonstramos todo o nosso apego, nossas carícias para com as raízes que nos deram a gênese. É exatamente sobre isto que pretendo falar nessa minha retórica. Quero falar sobre o amor. O amor incondicional, o amor que pode vir disfarçado em várias formas, que não tem regras e nem exceções. O amor aos vivos, aos que já nos deixaram e aos que nem sequer possuem vida. Somos todos vítimas e privilegiados pelo amor. Jesus Cristo nos ensinou o que era o amor. Ele sim nos amou com toda a sua vida e todo o seu flagelado coração. Pois, baseado nos ensinamentos de Cristo, quero vos dizer que toda espécie de amor é nobre, seja qual for, seja como for. Nossas vidas são entremeadas e calcadas em atitudes passionais. Não há nada mais forte e que consiga mover o ser humano do que o amor. O amor ao trabalho que nos faz sair de casa muito cedo para a labuta, o amor aos nossos filhos que nos faz enfrentar os ossos que o ofício nos trás, o amor ao dinheiro que, infelizmente, pode nos corromper e nos prostituir. Por fim, o amor ao próximo, carnal e apaixonado que nos leva a atitudes insensatas e cegas. Cristo nos ensinou o amor dadivoso e incondicional. Pois saibam que o ser humano comum não suporta uma situação assim. Somos egoístas, egocêntricos. Precisamos amar, mas, sobretudo, ser amados e, de preferência, com a mesma intensidade. Somos fracos, indefesos e, infelizmente, gananciosos. Não permitimos que nada, em absoluto, atravesse o caminho dos nossos desejos, nossos sonhos. Por isso, nesse momento, gostaria que todos abaixassem suas cabeças e, silenciosamente, suplicassem a Deus, aos anjos-da-guarda, a Nossa Senhora que nos dêem força, muita força para superarmos todas as tentações pelas quais o amor nos subjuga. E peçamos perdão, não a Deus – pois Ele é misericordioso – mas sim aos nossos irmãos e a toda humanidade pelos pecados que, por ventura, viemos a cometer em nome do amor. Por mais que o motivo seja nobre, seja justificável, mas se nós já machucamos alguém, se já fizemos alguém sofrer por amor, peçamos perdão do fundo da alma.


Momento de silêncio profundo. Todos os presentes se mantiveram com a cabeça dobrada e os olhos fechados num momento de introspecção. O bispo Dom Belchior aparentemente cochilava. O Padre Doutor retoma a palavra.




_ Minha mensagem final é uma única: Amem, amem com todas as forças de seu coração, pois estamos nesse mundo com uma missão específica, a de amar e ser amado. Louvado seja nosso Senhor Jesus Cristo.




_ Para sempre seja louvado. – responderam todos em coro.

Almeida,Paulo César. A Sete Palmos. 2005.

3 de junho de 2005

A SETE PALMOS - fragmento do Capitulo I

(...) Quando os olhos se fecharam, a garganta secou rapidamente. Um rombo ardia em sangue latejante. O chão se tornou um aparato para o corpo dolorido. Apenas um estrondo foi capaz de provocar tudo isso. Aliás, dois estampidos, pois Juvêncio fora homem o suficiente para conseguir disparar também sua arma. Mas não manteve os olhos abertos para ver a conseqüência do seu ato heróico. Bravo trabalhador braçal que agora se via nos laços do anjo implacável, esse anjo que quando passa leva quem o destino determina, sem qualquer discrepância, seja o escolhido abastado ou miserável. Tamanha é a intolerância do anjo implacável que naquele minuto estava levando consigo o Senhor Olivério, um homem rico por herança e ganancioso. Desses homens soberbos que comungam da religião do dinheiro, porém sua esperança de vida se agarrava a um Deus que nunca foi digno de sua devoção enquanto lívido. Aquele homem das finanças só não conseguira comprar sua própria vida. Agora quedado sobre seu jipe, babujava o sangue que lhe saia das entranhas e esperava, com medo, a morte se abancar sobre si.
O Homem do Capuz Sombrio jorrou seu gélido caldo mortal sobre a cabeça de Juvêncio que o esperava serenamente. Os pobres não temem a morte, já que vivem à margem dela, e também por que crêem em uma vida mais justa no Reino dos Céus, em compensação pela vida desengraçada que levara na terra. A única lembrança que atormentava aquela mente cansada da vida era a de Violante, sua filha única que agora ficaria sozinha nesse mundo tão tirano. No mais, se comprazia com a “doce” sensação do endurecimento de suas vértebras, o sentimento de um sono profundo que seria eterno e inviolável. Finda-se a fome, a garganta suplicante por água, as dores do mundo, tudo isso agora era para os humanos vivos. Ele não mais precisaria sentir o amargo gosto da cachaça para sobrepujar suas magoas. Sentimento egoísta, mas que ele se via em pleno direito dele, uma vez que passara pela terra a franzir a testa por causa de problemas de seus amigos e filha. Ao pobre resta a resignação, não mais a luta.
Já Olivério tinha medo, quando começou a sentir suas pernas dormentes, suas pálpebras insuportavelmente pesadas, o coração em disparate, quis gritar por socorro, mas sua voz já não transcendia à própria garganta. Nunca mais escutariam seus gritos, fossem eles de gozo ou de desespero. O pavor de sentir aquele que é o destino certo do ser humano se cumprir fazia desse momento uma terrível tortura, comparada àquelas que seu grande herói nazista promovia em seu domínio na Europa. A dor de dentro de seu peito, irrompido pelo projétil, reverberava para todo seu corpo, para toda sua alma. Mas tinha realmente alma esse homem? Deus lhe dera sim uma alma, mas de tanto massacrada que fora, resolveu tomá-la de volta. Uma conclusão simplista e errônea. A morte leva a todos, mas tem o capricho de dar aos pobres de espírito alguns segundos de moribundez. Talvez para expurgar seus pecados.
A morte vence. Dolorida ou serena, sempre vence.

31 de maio de 2005

FRAGMENTOS - A Sete Palmos

(...)No cemitério, Tânia batia na porta da casinhola caiada do coveiro. De dentro, Meneandro terminava de esculpir uma imagem em gesso que enfeitaria a esquife de Dona Amandinha que morrera fazia alguns dias, enquanto isso ele escutava música clássica em uma radiola. A porta era esmurrada com veemência, mas Meneandro não escutava já que suas atenções se voltavam para a imagem e seus ouvidos para a música que ressoava uma sinfonia de Bach. A menina Tânia não mais se continha diante da ausência de respostas. Uma chama ardia dentro de seu peito, a obsessão calava qualquer voz da razão, então ela esmurrava e gritava como uma selvagem. Seus berros ecoavam por entre os túmulos e sarcófagos do cemitério. O silêncio sepulcral era violado pelo grito da paixão. Até que o urubu Casemiro surge ao lado de Tânia, que numa insensatez, começa a clamar ajuda para o abutre. A ave assistia os apelos com uma passividade irônica, uma indiferença medonha. Por mais que gritasse, parecia que Tânia não era ouvida em lugar nenhum. Seus apelos eram inócuos. Na sua obtusidade, a menina saiu correndo por entre os túmulos, foi driblando um a um até que caiu de frente sobre o sarcófago de Dona Amandinha, ainda recoberto por flores vermelhas, uma vez que o enterro era recente. O som da queda de Tânia pareceu retumbar nos ouvidos de Meneandro, que imediato estacou sua atividade. Ele se levantou, desligou a radiola e foi ver o que estava acontecendo do lado de fora. Ao sair viu o urubu Casemiro mancando em direção à casinhola do coveiro, tudo parecia normal. O som dos grilos ditava a trilha sonora de uma noite que tinha um aspecto corriqueiro. A exceção da lua que possuía uma luz diferente, quase irisada. No entanto, Meneandro sentia que algo fugia da rotina. Havia alguém que necessitava dele. Resolveu, então, caminhar por entre os túmulos para averiguar a tranqüilidade que se apresentava.
Com a lanterna no bolso, pois a luz da lua dispensava o uso do aparato luminoso, Meneandro trançava por entre os jazigos e covas com um olhar atento a tudo. Vislumbrava cada escultura, cada epitáfio gravado nas lapides, e via aquilo com orgulho, pois seu trabalho, razão de sua vida, estava ali fixada no chão do campo santo de Nova Glória. Nesse momento possuía a certeza que seus mortos estavam satisfeitos com o seu trabalho e que eles regozijariam do conforto de seus túmulos para o resto da eternidade. Meneandro nutria o doce sentimento que estava cumprindo sua missão na Terra, missão essa que lhe fora concebida pelo destino no momento de sua chegada nesse plano de vida.
O coveiro, então, divisa algo muito estranho que estava tumultuando a paz de Dona Amandinha, a nova residente do cemitério de Nova Glória. Meneandro se adiantou na direção do tumulo recém inaugurado e quando lá chegou percebeu que havia alguém ali caído de bruços. Buscou com as mãos saber quem era e quando virou o corpo percebeu que se tratava de Tânia. O coveiro teve a nítida impressão que a menina estava morta e procurou chamá-la no intento de despertá-la, mas Tânia se mantinha imóvel. O desespero tomou conta do coveiro que buscou a pulsação e a respiração daquele corpo desfalecido. Porém, nenhum sinal vital podia ser sentido. Um último recurso que poderia ser usado: a tentativa de reavivar. Meneandro procurou fazer massagens no coração e respiração boca-a-boca. Tânia não reagia. Depois de várias tentativas, o coveiro desistiu e caiu em pranto ao ver aquela menina morta em seus braços.
Súbito, Tânia se move. Seus braços se erguem e abraçam a cabeça do coveiro que ainda chorava. Quando se dá conta, Meneandro soergue a cabeça e vê os olhos rutilos de Tânia sorrirem para ele. Num rompante, o coveiro beija a menina sofregamente. Não existia ali mais nada que pudesse ser mais importante. Nem mesmo o fato de estar sobre um túmulo lhe parecia empecilho. Então, Meneandro e Tânia se amaram ali mesmo. Um sexo cálido, mas carinhoso. Sob a luz da lua e cercado por coroas de flores e cravos defuntos, o casal se entregava à libido na dança frenética e lancinante da paixão. Seus corpos nus se enroscavam e se confundiam como se fosse apenas um entre flores e cheiros. As imagens, as lápides, os sarcófagos, até mesmo Casemiro assistiam a tudo como voyeurs sobrenaturais e silenciosos. Tânia flutuava lépida, enquanto Meneandro procurava álibis. Ambos gozaram ruidosamente.(...)

22 de maio de 2005

O Retrato...

Uma réstia de luz amarela solar invadia aquele ambiente mórbido por uma fresta da persiana e iluminava a poeira densa que pairava no ar. Apesar do sol estar soberano nos céus, a sala se mantinha inócua, envolvida por uma penumbra úmida. O cheiro que ali se olfatava era de umas vidas tépidas, sobrevivendo apenas de reminiscências de um passado muito recente. A cor que se desenhava era um encarnado sangue, jorrando infinitamente pelos tapetes felpudos e paredes ásperas. O amor naquele ambiente fora substituído pelo sentimento de posse e, como conseqüência, a morte se apresentara com todos os seus eflúvios.
Sentado de frete para a janela encerrada numa película, Jorge amava seu charuto de Havana com a língua esponjosa. Seu olhar perdido no tempo dava-lhe um ar de regozijo, o qual parecia ser externado pela fumaça mal cheirosa daquele tabaco. O que havia naquele momento, senão um doce sabor de alegria, mesmo sublimada pelo ódio que lhe acometera. As cinzas eram batidas com displicência num copo sujo improvisado de cinzeiro. A garrafa de Chivas Regal vazia compunha o retrato de uma leve lucidez embriagada. Mas não era a bebida que lhe entorpecia, mas sim o tenro sentimento da vingança.
Depois de um casamento considerado pelos pares como aberto e livre, Jorge finalmente botara fim àquela situação. Inicialmente aceitara aquela relação com ares tão modernos e cosmopolitas. Todavia, o sexo entre eles e seus respectivos parceiros estavam se tornando aos poucos uma lúbrica tortura. O marido se via numa situação privilegiada, pois poderia ter em seus braços a mulher que desejasse sem a intromissão de sua esposa. Karina, sua esposa, já parecia se esbaldar com aquele ambiente libertino.
Tudo ocorrera com a normalidade das novas relações humanas. Mas o homem guarda em si resquícios de sua pré-história. Hoje vemos Neandertais a fins de parecerem homo-digitalis. No entanto, o destino traçado pela sociedade machista se cumpriu. Jorge se regozijava com o cubano e a embriaguez do whisky e também ao ver Karina nua, esvaindo sangue pelos furos de bala. Ao lado dela, o filho, também nu, não menos morto. Morreram no pecado. Pecado permitido pelas novas relações humanas. Um retrato bem enquadrado daquele amor em seu formato mínimo.

8 de maio de 2005

O Primo Basilio - Eça de Queiroz

Tinha suspirado. Tinha beijado o papel devotamente
Era a primeira vez que lhe escreviam aquelas sentimentalidades
E o seu orgulho dilatado em seu calor amoroso que saía delas
Como um corpo ressequido que se estira num banho tépido
Sentia um acréscimo do estímulo por si mesma
E parecia-lhe que entrava enfim uma existência superiormente interessante
Onde cada hora tinha o seu intuito diferente
Cada passo conduzia um êxtase
E a alma se cobria de um luxo radioso de sensações

21 de abril de 2005

Alcova dos Poemas

Após caminhar trôpego, sem olhos para o horizonte, ele amargava o ácido de um dilúvio de amores obsoletos. O sol lhe parecia um adversário ferrenho para quem já caminhava fazia anos. Seus pés em brasa, queimavam o chão árido, suas lembranças desenhavam as sombras que perseguiam mordazes os sonhos daquele lisboeta. Neste ínterim, o maltrapilho desenhava com seus passos uma trilha infeliz, sem a surda e aguçada presença de um fio que fosse de esperança. Os cegos que surgiam pelo caminho indicavam para onde ele deveria seguir. E como um mudo galopante, ele foi, com sua sublime inocência, para um vale d’onde somente os amaldiçoados conseguem se ver livre. Diante os tropeços inadiáveis, ele rubricava com os pés cada passo que praticava e registrava com sua retina fadigada a obra de um ser mágico e sublimemente superior. Mas absolutamente nada lhe tirava o foco do seu desespero iminente. Seu mais profundo sentimento era o de condenação ao paraíso, onde o demônio é um rei libertino. Dentro de seus bolsos apenas um pedaço de filtro, queimado horas antes com o objetivo de florear a viagem, mas nem isso conseguia lhe retirar a torpe sensação de miséria e desacordo. Até que a luz se fez alumiar, no alto de um alicerce. Mas era sofrivelmente distante, a luz de cor clara e incandescente. Para conseguir seu acesso, somente se ele expurgasse de dentro de si a cólera de anos de aviltamento endinheirado. Sabia que aquele era um terreno de férteis indagações, d’onde nasceria o cálido sentimento de cumprimento de sua missão terrena. Mas o mudo, guiado por cegos, e com a esperança surda, atinou a escrever alguns versos que lhes eram decorados graças à professora. Debalde. Sua capacidade de desenhar os garranchos sucumbira ao seu extremo ódio. Agora teria a sólida certeza que ele nunca alcançaria a Alcova dos Poemas, onde de seu corpo ele faria um tapete macio, em que seus ossos estariam descansados. E as músicas que lá soavam eram lânguidas e executadas por ninfas nuas elevadas em seus ninhos. Restava-lhe reatar a caminhada lisérgica e lavar seu estômago com água boricada.Era o fim do suplício terreno. Era o início da maldição do paraíso.

27 de fevereiro de 2005


Um nada, um intervalo vazio, preenchido com cores e textos.
Vem aí:
O HIATO
Obra de Paulo César Almeida e Sabrina Moura

17 de fevereiro de 2005

A Maldição do Artista

1- Não há o que se dizer a respeito dos nosso estimados artistas, tanto em nossa cidade como em variados logradouros desse país. Eles são responsáveis por incomodar as beatas conservadoras que insistem em viver dentro daquilo que os parâmetros que a própria sociedade determinou e acredita ser o “correto”. Eu vos digo, não existe conceito mais relativo que o de certo e errado. Não existe uma unidade, uma unanimidade.

2- Agradeço ao sistema essa dádiva, pois vislumbrem, meus amigos leitores, se existisse uma só forma de se viver “o correto”. Certamente viveríamos sobre uma lei do absurdo, onde nossa família, namorados e patrões seriam ciborgs típicos das fitas de Spielberg.

3- No entanto, não era exatamente sobre isso que gostaria de falar. Certa vez, o Humberto Gontijo, um grande ator, um dos maiores talentos da nova geração confidenciou a mim um fato doloroso. Peço licença a ele para quebrar esse segredo de confessionário. Somos amigos e por isso tomei tal liberdade.

4- O nobre ator me disse: “Não existe para o artista uma felicidade amorosa”. Essa declaração me fez pensar em profundidade sobre o coração de um artista. Naquele momento pensei ser uma hipérbole a afirmação do meu nobre colega. Mas pude ver que a razão iluminava sua reflexão.

5- É realmente recompensador ser uma artista. Muito embora sejamos discriminados e incompreendidos, não há nada mais regozijante que ver seu filho, sua obra sendo disseminada, aclamada, aplaudida. No entanto, há que se ressaltar com ênfase que um deflúvio fica para se pagar.

6- O que pretendo dizer é que alguém que possivelmente queira se enveredar pelos caminhos da arte necessita, previamente, fazer uma escolha. O artista é um fadado a ser um desinfeliz no amor. Isto é fato, mas que cabem várias objeções.

7- Independentemente das vozes que hão de objetar esse fato, eu repito: O artista tem em sua essência a nostalgia do amor mal acabado, a amargura do desafeto. Isto ocorre com o artista de fato, não esses pseudo-famosos que se auto-proclamam “celebridades”. Quanto à nomenclatura eu vos digo: as celebridades de celebres não possuem nem um fio de nylon.

8- Dessa forma, o artista se torna artista verdadeiramente. Aquele que possui a mancha do rancor, a marca do desprezo em sua pele e sua mente. Não há nada mais enriquecedor para um artista que uma tragédia, sobretudo uma tragédia afetiva. A titulo de um exemplo rasteiro cito a bela Ana Paula Arósio que, no início era uma bárbie, mas que depois de seu noivo ter se suicidado bem sob seus olhos, se tornou uma grande atriz, com traços dramáticos e olheiras de uma Fernanda Montenegro.

9- Sim, a arte é uma dádiva. Mas existe também a maldição de ser um artista. A infelicidade do artista também pode ser considerada uma dádiva, pois ela lhe proporciona uma emoção profunda e humana, o que nos aproxima cada vez mais dos nossos interlocutores causando a imediata identificação.

10- Não pretendo aqui desanimar quem quer que seja a prosseguir acreditando em sua arte. Uma vez que, quem tem a arte pulsando nas veias jamais se desiludirá com esses aspectos. Ser artista não se escolhe, mas sim se é escolhido para fazer arte. E aquele que se sente feliz, mesmo com as mazelas sentimentais é por que finalmente se tornou um verdadeiro artista.

11- Repeti demasiadamente neste texto a palavra “artista”, o que, para os puristas gramaticais seria um pecado. Mas uso e sempre usarei essa palavra iluminada por ribaltas e olhares. Quem possui amor à arte não se reprime perante os “nãos” que recebe. O grande antídoto para a desilusão é criar, criar e amar profundamente aquilo que cria.

9 de fevereiro de 2005

COMO VENDER UMA CUECA AMARELA PARA UM HOMEM CASADO QUE MORA NO CENTRO DA CIDADE, DONO DE UM TELEFONE BEGE.

Homem é homem e fim de papo. Mas aquele era alguém. Seu casamento era como todos os demais: chato por natureza, rotineiro por excelência. Não havia o que lhe proporcionava maior felicidade, a não ser seu amigo intimo fiel, que não era seu cachorro nem algo parecido. Para os olhos externos, aquele homem tinha uma vida perfeita, a mulher perfeita, os filhos perfeitos, um emprego perfeito, morava numa casa e num lugar perfeito, ele próprio era o Senhor Perfeição e ainda possuía um telefone bege. Existiria alguém mais feliz?
Até que um dia seu irmão lhe questionou: “Você conhece a cueca amarela?” O Senhor Perfeição não deu muita pelota para o que seu irmão caçula lhe indagava. Mas a pergunta se fez voz novamente, pelo mesmo irmão, e numa desafiadora afirmação: “Você não é feliz sem conhecer a cueca amarela.” Uma ponta de dúvida surgiu na cabeça daquele homem. Seria ele realmente feliz? Não era possível que um produto tão ínfimo e dispensável fosse tão cheio de possibilidades e de felicidades. O que era uma ponta de duvida se transformou em tormento e, num belo dia, ele argüiu ao seu irmão: “Mas o que faz essa cueca amarela?”. Cheio de malícia, o rapaz explicara que a cueca amarela energizaria os chacras e lhe daria mais potência para dar conta da noite-a-noite da sua alcova. Impressionado com o discurso pseudocientifico de seu irmão, aquele homem perfeito declarou: “Eu quero uma cueca amarela”. Sem pestanejar, seu irmão foi-lhe buscar o sonhado produto. Chegou ela, surrada, suja, com alguns furos, mas amarela como uma manga. O preço do produto foi sugerido pelo irmão e não questionado pelo homem perfeito. Adquiriu com a felicidade daqueles que compram uma cueca amarela.
Hoje o Senhor Perfeição é um Senhor Perfeição dotado de uma cueca amarela. Sua vida permanece a mesma, exceto para ele próprio, pois a compra da cueca amarela lhe proporcionou um sentimento de renovação espiritual. Até seu amigo intimo fiel se tornou mais atuante e confiante. Enquanto o irmão conseguiu levantar a grana que precisava para comprar sua moto, uma moto amarela que o fez mais evidente aos olhos femininos. Homem é sempre homem.

4 de fevereiro de 2005

Viver a vida. Mas como?

O lugar-comum preferido das canções ideologicas reside num valoroso conselho armado e desfarçado em versos rimados que, logo, logo ficam martelando nossas cabeças. O tal conselho se refere diretamente ao ato de viver a vida intensamente, fazermos de cada ato "o único", aproveitar o hoje e viver, viver pra valer. (perdoe-me, leitor, não pude resistir à rima)
O que ocorre, na verdade, é que somos escravos do nosso próprio tempo. Temos compromissos demais, "depois" demais, "amanhãs" demais. O hoje se torna um momento de transição e não o nosso verdadeiro presente. Não imaginamos que o "amanhã" não existe. Ele é completamente subjetivo, abstrato. E o "ontem" é uma pagina empoeirada da história.
Me vem, então, a grande idéia, a descoberta da polvora cantada em verso e prosa pelas melodias. Vivamos a vida intensamente, cada momento. No entanto, este inquieto cronista vos argui: Como????. (com todas essas interrogações). Qual o grande segredo de viver a vida? Seria o Carpe Dien mais uma utopia da humanidade?
Chega. Não quero ficar enxovalhando o leitor com tantas perguntas. Mesmo porque você tem coisa melhor para fazer. Tal como: Viver a vida intensamente.
Amarro-me numa conclusão rasteira. Viver a vida é deixar o destino te levar e o amor acontecer. O que vem depois é "amanhã".